O Bule de Porcelana


- Este bule vai ser seu!- dizia minha mãe.
Ele parecia olhar para mim, que o contemplava admirada. Era um belo e antigo bule de porcelana que descansava na prateleira mais alta de um enorme armário, também antigo, feito de madeira maciça. Já estava na família há anos e para mim sempre foi um objeto belo e precioso. Nunca soube quem o comprara. Imagino que tenha pertencido ao dono da casa que, quando a vendeu para meu pai, deixou para trás o pesado armário. Talvez ele tivesse ficado esquecido ali...
A promessa foi cumprida e agora esta relíquia enfeita minha cozinha.
Nunca tivera coragem de usá-lo. Mas, nesta tarde, ao fazer um chá, olhei para cima e o vi. Tive o sentimento de que ele ficaria muito feliz se ainda, depois de tantos anos, pudesse ser útil e não apenas admirado. E assim o fiz.
Chá pronto, ele, sobre a mesa, feliz por voltar de novo ao trabalho. Eu contente por poder tomar, elegantemente (graças ao bule), um chá gostoso na paz de uma tarde tranqüila.
Sem ter com quem conversar fiquei olhando para ele e comecei a pensar na sua história. Quantos momentos alegres e tristes deve ter presenciado! Penso que esteve presente quando todas as noites, estando meu avô ainda vivo, o pároco padre Francisco e o pastor luterano sr.Tipple iam até nossa casa para bater papo em alemão. Dizia-se que eram grandes amigos, de uma afinidade invejável, mas brigavam quando divergiam nalgum tema religioso. Porém, no dia seguinte tudo ficava esquecido e se tratavam como irmãos.
Penso, também, que participou da comemoração simples do casamento de meus pais, onde imagino que minha prendada tia Helena tenha servido seus deliciosos bolos com chá.
Com certeza, ainda, esquentou a noite fria e triste de algum velório, talvez o do avô Ferdinando...

Um dia não estaremos mais aqui. Ele se quebrará e eu terei cumprido minha jornada nesta vida. Haverá um lugar para nós no céu? Se assim o for, gostaria de encontrá-lo por lá e tomar novamente um chá acompanhado de lembranças e saudades.

A inauguração do Cine S. José

Nos anos sessenta, de modo especial nas cidades do interior, a maior diversão era freqüentar o cinema. Nos finais de semana, então, era ponto de encontro entre rapazes e moças. Muitas delas passavam a tarde inteira com os incômodos bobies na cabeça, apenas para serem vistas com cabelos “bonitos” por pouco tempo, antes da exibição do filme. No escurinho, de olho na tela, ninguém mais as reparava...
Neste período, que a muita gente traz saudades, foi inaugurado mais um cinema em Morrinhos, Goiás. O assunto da semana que antecedia a inauguração tinha sido este evento. A exibição de “Doctor Zhivago” era esperada com muita ansiedade. Finalmente o dia chegara! O novo cinema ficou lotado. Viram-se entre os presentes autoridades que não costumavam muito freqüentar o cinema. Mas era um dia especial...
Na metade do filme, enquanto uma cena romântica emocionava a platéia de olhos fixos na tela; alguém, menos emocionado, olhou para o teto e viu uma faísca.
- Fooogo! O cinema tá pegando fogo! – foi o grito que se ouviu. Algumas pessoas se levantaram e correram. E o pânico se alastrou como fogo em capim seco. A porta de saída era estreita para tanta gente passar ao mesmo tempo. Houve quem caísse e recebesse pisadas. Houve quem perdesse o sapato na corrida...
Mas, foram apenas faíscas! E os que fugiram apavorados voltaram para seus lugares depois que perceberam não haver mais perigo. Até o final do filme não houve mais incidentes, porém depois deste susto muitos espectadores, por mais emocionante que fosse a cena do filme, lembravam-se de olhar para cima para conferir se o teto estava em ordem, sem faíscas nem fogo.
E a bela e triste estória de amor de Lara e Jivago não trouxe apenas lágrimas, o riso esteve também presente quando, depois da correria, tudo se acalmou ... Fora assim inaugurado o Cine S.José!